Destaques
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
O FEITIÇO DO CINEASTA: Spielberg, Os Fabelmans e a magia do cinema
Devido a
seus polegares opositores, baixo número de pelos, postura ereta e cérebro
desenvolvido, o observador comum pode chegar à conclusão de que Steven
Spielberg é mais um Homo sapiens entre os 8 bilhões que lotam o planeta
Terra. Um antropólogo, biólogo ou artista mais perspicaz, no entanto, poderá identificá-lo
como membro da espécie mais comumente envolvida com o cinema: o Homo magus.
O Homo
magus se diferencia do seu primo Homo sapiens pela sua
paixão insaciável pela arte da ficção, pela forma mais bela e verdadeira de
contar mentiras.
Acima de
tudo, o Homo magus tem a habilidade de encantar com arte, que em
suas mãos, tem o efeito onírico, lúdico e fantástico que a humanidade percebe
como magia. E é para essa forma de magia tão natural, tão biológica para
Spielberg que ele dedica uma de suas maiores obras: “Os Fabelmans”.
Spielberg utiliza
de toda sua maturidade como pessoa e como cineasta para refletir sobre o tópico
mais importante para qualquer artista: a relação com sua arte.
Uma
autobiografia revela muito sobre como um autor se enxerga e, por isso, “Os
Fabelmans” não poderia começar com outra cena que não a primeira ida do jovem Steven
ao cinema. É justamente o fascínio pela experiência e pelo fazer do cinema que o
caracterizam como indivíduo. Spielberg sem seu cinema, sem sua arte, não seria
Spielberg. Atrás das câmeras, no entanto, ele é uma figura quase mística,
mágica, mestre de seu próprio microcosmo artístico.
Para Steven
Spielberg, ou Sam Fabelman, nome que dá ao personagem que o representa na tela,
o cinema vem de maneira natural, tanto pela facilidade e engenhosidade que
possui para elaborar seus filmes desde a juventude, quanto pela necessidade
quase biológica de tornar o hábito de fazer cinema em algo regular, cotidiano. Distanciar-se
do cinema, aprisiona Sam Fabelman, o torna pessimista, cansado. É apenas
carregando uma câmera nas mãos que ele se sente senhor do próprio destino,
realizado e completo.
O cinema é,
sobretudo, uma forma de libertação dos males da realidade e da vida pessoal,
como fica claro pelo contraste entre a sétima arte e relação familiar doce mas
conturbada da juventude de Spielberg.
Esse
fascínio com a liberdade do sofrimento através da arte é extremamente notável
em suas obras. Diferente de diretores como Godard ou Kubrick, Spielberg costuma
ter uma abordagem narrativa otimista, focada no melhor das pessoas, na
superação de grandes sofrimentos, no potencial humano, o que contribuí para a
sensação encantadora e apaixonante que seus filmes transmitem.
O fato de
Spielberg ter se apaixonado pelo cinema na infância é extremamente visível em
sua obra, pois não é incomum ver seus filmes evocarem sentimentos de
grandiosidade, inventividade, deslumbramento e inocência tão comuns às crianças
e ao cinema americano da década de 50.
Entretanto,
é importante reforçar que, esta criança interior tão influente em seus filmes
não se traduz em ingenuidade. Do holocausto ao divórcio de seus país, fica
claro que o otimismo Spielbergiano é mágico pelo fato de ele estar ciente do
sofrimento que existe no mundo, e é exatamente no contraponto entre tragédia e otimismo
que surge a magia dos filmes de Spielberg. A magia está na existência de amores
inocentes e incondicionais até mesmo nos lugares mais brutos e miseráveis.
A forma
como Spielberg retrata o amor nas suas mais variadas formas se traduz pelo
significado que ele próprio dá a sua arte. Godard, que abordei em meu último
texto, representava o amor dos casais de seus filmes como belos, obsessivos,
enlouquecedores e trágicos. Seu amor pelo cinema se deu da mesma forma: ele
amou sua arte de maneira tragicamente bela até o fim de sua vida. Spielberg, em
contrapartida, tende a representar o amor em seus filmes de forma mais
inocente, bela, otimista e deleitosa, e é exatamente dessa maneira que seu amor
à sétima arte se traduz. Em “Os Fabelmans”, fica claro que Spielberg ama o
cinema de maneira incondicional, mas de forma tão leve e despretensiosa que convence
o público a nutrir tanto carinho pelo fazer artístico quanto ele. Spielberg ama
o cinema de forma solidária, ele faz questão de tentar transmitir para o
público o mesmo amor gratificante sente.
“Os
Fabelmans” é por fim, como diversas obras metalinguísticas sobre o amor às
artes, um manifesto contra a mediocridade e o comodismo.
Spielberg
não poupa esforços para demonstrar que o caminho dos artistas é árduo e
doloroso, todavia, ele deixa claro que a chama do cinema é tão incessante e
bela que vale a pena arriscar uma ou outra queimadura ao tentar se aquecer.
O caminho
dos cineastas e artistas é repleto de sofrimento, mas ele é infinitamente
melhor que o dos frustrados e pragmáticos que ou não entendem o valor da arte
ou a rejeitam para buscar um falso conforto.
É
exatamente desse tipo de amor pela arte: aventureiro, arriscado e ousado de que
tanto a indústria cinematográfica quanto o mundo precisam cada vez mais.
Não
precisamos de apáticos burocratas calculadores ou de inescrupulosos técnicos
extremistas da razão. Precisamos de mais amantes ousados e despretensiosos.
Precisamos de mais artistas.
Abaixo aos
medíocres, ordinários, pragmáticos e cínicos de todos os tipos.
Vida longa
aos artistas, aos loucos e aos apaixonados.
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Postagens mais visitadas
ESTE ERA UM TEXTO SOBRE TRENS
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
O DEFUNTO DA AVENIDA SÃO JOÃO
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Comentários
Postar um comentário