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Segredos Ditos à Luz do Crepúsculo


O vento acariciava suas crinas cor-de-avelã enquanto tamboreiavam a terra com seus cascos. Seus olhos sombrios e brutos refletiam o róseo do horizonte, que era interrompido apenas pelo dourado do sol escapando por dentre as nuvens.

Dentes-de-leão dançavam ao vento e grudavam em suas pelagens. Não sentiam fragrâncias, pois suas narinas apenas captavam o frio do inverno que se aproximava. Corriam em direção ao que restava de sol.

Eram, como é próprio de sua natureza, livres.

Distante dali, restava o cavaleiro. O homem portava uma longa barba e utilizava vestes coloridas e suntuosas que, na sociedade dos homens, indicavam uma posição de estima e respeito. Estas, no entanto, estavam gastas, desbotadas e batidas - era evidente que havia muito tempo desde a última vez em que o cavaleiro adentrara os grandes salões que reconheciam o significado dos seus trajes. Salões estes que já haviam deixado a materialidade e residiam agora apenas em memórias e delírios.

Sentado aos pés da fogueira, o cavaleiro busca em sua bagagem um pequeno compartimento contendo o pouco rapé que lhe restou. Ao encontrar, inala-o e começa a sussurrar uma canção em um idioma já morto, em homenagem à deuses já esquecidos.

Atrás do homem, sua montaria, de pelagens brancas, assistia ao ritual, como havia feito tantas outras vezes. Não o compreendia totalmente, mas, mesmo sem possuir as ferramentas para racionalizar, reconhecia que aquela melodia era dotada de maior significado que um mero relinchar ao vento.

Naquele momento, rememorava os longínquos dias em que, com ferraduras incrustadas em seus cascos, tinha seus trotes levados na direção de supostos grandes propósitos que haveriam de integrar as baladas entoadas nos grandes salões.

Havia observado de perto o mundo dos homens e, mesmo que não houvesse escolhido experimentar a vida junto a eles, havia aprendido a respeitar as paixões daqueles curiosos seres que ansiavam por canções e templos. Nunca respeitou ou entendeu, no entanto, os estribos, as esporas e os chicotes.

Os animais selvagens se aproximam da fogueira de forma inusitadamente serena como se, por um instante, entendessem a necessidade de observar e compreender os últimos dos símbolos. O cavaleiro não lhes dá atenção e, ao finalizar sua canção, encara sua montaria, exprimindo uma intimidade somente desenvolvida entre aqueles que nunca poderão compreender uns aos outros.

O cavaleiro fecha as grossas pálpebras e sente a fogueira aquecer seu rosto. Repousa.

O corcel branco empina, lançando sua sela ao chão, e parte em disparada junto aos animais selvagens.

É dado um fim à anomalia. Está morto o último dos homens e todos os seres de natureza livre finalmente correm sem razão.

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