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Segredos Ditos à Luz do Crepúsculo

O vento acariciava suas crinas cor-de-avelã enquanto tamboreiavam a terra com seus cascos. Seus olhos sombrios e brutos refletiam o róseo do horizonte, que era interrompido apenas pelo dourado do sol escapando por dentre as nuvens. Dentes-de-leão dançavam ao vento e grudavam em suas pelagens. Não sentiam fragrâncias, pois suas narinas apenas captavam o frio do inverno que se aproximava. Corriam em direção ao que restava de sol. Eram, como é próprio de sua natureza, livres. Distante dali, restava o cavaleiro. O homem portava uma longa barba e utilizava vestes coloridas e suntuosas que, na sociedade dos homens, indicavam uma posição de estima e respeito. Estas, no entanto, estavam gastas, desbotadas e batidas - era evidente que havia muito tempo desde a última vez em que o cavaleiro adentrara os grandes salões que reconheciam o significado dos seus trajes. Salões estes que já haviam deixado a materialidade e residiam agora apenas em memórias e delírios. Sentado aos pés da fogueir...

ESTE ERA UM TEXTO SOBRE TRENS

 

Para Leonard Cohen.


O Senhor M. possuía a vida de um príncipe moderno.

Sua família era dona de uma fortuna factual. Com isso quero dizer que eram ricos há tanto tempo, de maneira tão consistente, que parecia apenas natural que os familiares do Senhor M. fossem magnatas. A riqueza estava para eles como o perfume está para as flores.

Não havia nada naquela vida que não agradasse ao jovem magnata. O Senhor M. amava frequentar as festas da alta sociedade, onde flertava com modelos das maiores grifes e bebia martinis até turvar a visão.

Amava acordar pela manhã, olhar pela janela e admirar sua coleção de carros feitos para corrida.

Amava até mesmo seu trabalho burocrático, onde passava seus dias administrando os negócios da família.

Um dia, entretanto, no caminho para o trabalho, virou uma esquerda quando deveria seguir em frente, foi até a estação central e embarcou no primeiro trem.

M. tinha particular repulsa por viagens de trem. Elas sempre faziam com que se sentisse peculiarmente oprimido e solitário. Nesta ocasião, no entanto, ignorou suas desavenças com as locomotivas e embarcou de bom grado.

Ninguém foi avisado sobre essa repentina viagem. Talvez porque ele não quisesse explicar seus motivos ou talvez porque nem mesmo soubesse quais eram. M. não procurou sentido em sua fuga. Tinha certeza de que precisava partir, e esse sentimento bastava.

No quarto dia de viagem desembarcou em uma pequena estação aos pés de uma montanha. Não conhecia o local e nem mesmo o idioma das placas de identificação.

Sentou-se sozinho no banco da estação deserta, acendeu um cigarro e assistiu enquanto seu trem partia dali.

Naquele banco, pela primeira vez em muito tempo, o Senhor M. ouviu os sons do vento.

Passado certo tempo, decidiu que subiria a montanha.

Durante o caminho, pensou que estava arruinando um terno perfeitamente elegante, desperdiçando lucrativos dias de trabalho, deixando de beber martinis preparados por mãos habilidosas e perdendo a oportunidade de flertar com mulheres de bom gosto e alta classe. Mesmo assim, sentia-se cada vez mais compelido a continuar sua peregrinação inexplicável.

No topo da montanha, encontrou um templo ancião, contemporâneo das primeiras riquezas, contemporâneo das primeiras canções.

Dos humanos que ali caminharam, restavam apenas ecos.

O homem sentiu-se confortado e compreendido pelos fantasmas da humanidade. Fantasmas de andarilhos que, como ele, caminhavam sem destino procurando algo nas profundezas do vazio do Eu.

Despiu-se, sentou-se ao chão, fechou seus olhos e ali ficou.

Então meditou. Meditou certo do caos e da falta de certeza intrínsecos ao universo, e ainda assim, procurou harmonia e verdade.

Verdade objetiva ou subjetiva? Pouco importa.


Uma mulher adentra o templo e vê-se diante de um homem ancião de longos cabelos grisalhos.

Diante da presença, o homem abre os olhos, por um instante, percebe o próprio corpo e se dá conta de que está velho, gasto. Em seguida dirige seu olhar à mulher.

– Quem é você? – ela indaga.

O homem derruba tímidas lágrimas, abre um sorriso sereno e responde:

  Eu sou o fantasma de um homem tolo.


Finalmente, percebeu que os trens não eram opressivos ou solitários. Eram apenas transitórios, e, no passado, aquilo o assustava.

 

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