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ESTE ERA UM TEXTO SOBRE TRENS
Para Leonard Cohen.
O Senhor M. possuía a vida de um príncipe moderno.
Sua família
era dona de uma fortuna factual. Com isso quero dizer que eram ricos há tanto
tempo, de maneira tão consistente, que parecia apenas natural que os familiares
do Senhor M. fossem magnatas. A riqueza estava para eles como o perfume está
para as flores.
Não havia nada
naquela vida que não agradasse ao jovem magnata. O Senhor M. amava frequentar as
festas da alta sociedade, onde flertava com modelos das maiores grifes e bebia
martinis até turvar a visão.
Amava
acordar pela manhã, olhar pela janela e admirar sua coleção de carros feitos
para corrida.
Amava até
mesmo seu trabalho burocrático, onde passava seus dias administrando os
negócios da família.
Um dia,
entretanto, no caminho para o trabalho, virou uma esquerda quando deveria
seguir em frente, foi até a estação central e embarcou no primeiro trem.
M. tinha
particular repulsa por viagens de trem. Elas sempre faziam com que se sentisse
peculiarmente oprimido e solitário. Nesta ocasião, no entanto, ignorou suas
desavenças com as locomotivas e embarcou de bom grado.
Ninguém foi
avisado sobre essa repentina viagem. Talvez porque ele não quisesse explicar
seus motivos ou talvez porque nem mesmo soubesse quais eram. M. não procurou
sentido em sua fuga. Tinha certeza de que precisava partir, e esse sentimento
bastava.
No quarto
dia de viagem desembarcou em uma pequena estação aos pés de uma montanha. Não
conhecia o local e nem mesmo o idioma das placas de identificação.
Sentou-se
sozinho no banco da estação deserta, acendeu um cigarro e assistiu enquanto seu
trem partia dali.
Naquele
banco, pela primeira vez em muito tempo, o Senhor M. ouviu os sons do vento.
Passado
certo tempo, decidiu que subiria a montanha.
Durante o
caminho, pensou que estava arruinando um terno perfeitamente elegante,
desperdiçando lucrativos dias de trabalho, deixando de beber martinis
preparados por mãos habilidosas e perdendo a oportunidade de flertar com
mulheres de bom gosto e alta classe. Mesmo assim, sentia-se cada vez mais compelido
a continuar sua peregrinação inexplicável.
No topo da
montanha, encontrou um templo ancião, contemporâneo das primeiras riquezas,
contemporâneo das primeiras canções.
Dos humanos
que ali caminharam, restavam apenas ecos.
O homem
sentiu-se confortado e compreendido pelos fantasmas da humanidade. Fantasmas de
andarilhos que, como ele, caminhavam sem destino procurando algo nas
profundezas do vazio do Eu.
Despiu-se,
sentou-se ao chão, fechou seus olhos e ali ficou.
Então
meditou. Meditou certo do caos e da falta de certeza intrínsecos ao universo, e
ainda assim, procurou harmonia e verdade.
Verdade objetiva ou subjetiva? Pouco importa.
Uma mulher
adentra o templo e vê-se diante de um homem ancião de longos cabelos grisalhos.
Diante da
presença, o homem abre os olhos, por um instante, percebe o próprio corpo e se
dá conta de que está velho, gasto. Em seguida dirige seu olhar à mulher.
– Quem é
você? – ela indaga.
O homem
derruba tímidas lágrimas, abre um sorriso sereno e responde:
– Eu sou o fantasma de um homem tolo.
Finalmente,
percebeu que os trens não eram opressivos ou solitários. Eram apenas transitórios,
e, no passado, aquilo o assustava.
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