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O BANDIDO DA LUZ VERMELHA E A MARGINALIDADE DOS ICONOCLASTAS NACIONAIS OU “UM PAÍS DE MEDÍOCRES”
Não existe
indústria cultural mais subestimada no Brasil do que o cinema. O consenso do
imaginário popular é de que o cinema nacional não é bom e que as produções se
resumem a comédias de baixa qualidade e a dramas que tratam de temas
intrinsicamente nacionais e presos à temática da pobreza. Muitos utilizam a
baixa qualidade de várias das produções de maior bilheteria e sucesso como
argumento para fortalecer essa ideia, contudo, essa narrativa não poderia estar
mais distante da realidade de um país que possui movimentos cinematográficos
que rivalizam com a Nouvelle Vague e com o Neorrealismo Italiano em questão de
relevância e influência.
O argumento
baseado na análise da qualidade das maiores bilheterias também se mostra falho
quando o aplicamos para a indústria americana, tão reverenciada por seus
grandes clássicos da sétima arte, mas que têm como suas 10 maiores bilheterias:
1. Vingadores Ulltimato: Um filme de
ação divertido, mas que não tem muito a falar e é pobre visualmente,
principalmente em relação ao material original;
2. Avatar: Um filme que impressiona
pelo aspecto técnico, mas que tem um roteiro esquecível, não passando de mais
um mito do branco salvador e de uma versão piorada de Dança com Lobos;
3. Titanic: Este sim, um ótimo longa,
tanto no aspecto técnico quanto artístico;
4. Homem-Aranha: Sem volta pra Casa:
Outro filme de ação sem personalidade que depende da apelação para a nostalgia
para compensar pela falta de inventividade visual e narrativa;
5. Star Wars O Despertar da Força:
Filme divertido e emocionante, mas que é dependente da nostalgia e dos sucessos
de outrora, trazendo pouco à mesa para o gênero e até mesmo para a franquia;
6. Vingadores Guerra Infinita: Mais um
filme de franquia divertido que diz pouco;
7. Jurassic world: Franquia, nostalgia,
ação barata e atores famosos. Preciso dizer mais alguma coisa?
8. Vingadores: Bom filme de
super-heróis, mas que não é nem de perto a nata do cinema americano;
9. Velozes e Furiosos 7: Se você pedisse para uma
inteligência artificial fazer o filme mais “ação e aventura para o público
masculino”, ela faria exatamente esse filme.
10. Frozen II: sequência completamente
comercial de um filme mediano.
A lista
deixa evidente que até mesmo numa indústria consagrada e povoada por clássicos,
os filmes de maior bilheteria dificilmente são demonstrativos das melhores
obras que ela pode oferecer. Inclusive, vale pontuar que a lista de filmes com
maior número de espectadores no Brasil, apesar de conter filmes terríveis e
muito piores que qualquer um da lista americana, também contém grandes
produções aclamadas pela crítica que são infinitamente melhores que qualquer
uma das obras da lista americana, como é o exemplo de “Dona Flor e seus Dois
Maridos”, “A Dama do Lotação”, “Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia” e até
mesmo “Tropa de Elite 2”.
Claro, não
nego que o cinema nacional é problemático. É evidente que a indústria é
limitada e determinada por um restrito grupo de estúdios e produtores guiados
pelas tendências mais rentáveis, como acontece em outros lugares do mundo,
ainda que aqui os efeitos negativos fiquem mais evidentes pelo diminuto tamanho
de nossa indústria.
As
exceções, entretanto, são populares e com a devida razão. O Brasil deu ao mundo
grandes artistas e obras do cinema que tiveram impacto profundo no fazer
artístico do meio. O Cinema Novo, encabeçado pelo grande Glauber Rocha é
exemplo disso. O movimento segue a tendência criada pela Nouvelle Vague de
rompimento com padrões estéticos e narrativos do cinema, além de ser importante
veículo para a análise do verdadeiro Brasil que não está nos noticiários ou nas
telenovelas.
O Cinema Novo
é símbolo da iconoclastia do cinema brasileiro, porém, havia cineastas
dispostos a romper ainda mais com as amarras do cinema tradicional, tratando de
temas polêmicos de forma anárquica narrativa e esteticamente. É deste movimento
de iconoclastia em relação aos iconoclastas que surge o movimento que abordo aqui:
O Cinema Marginal.
Se já é
pouco comum falar de Cinema Novo fora da bolha de cinema, o discurso acerca do Cinema
Marginal é quase inexistente para o público geral que tanto critica a cena
nacional. Chega a ser injusto que um movimento tão ousado, particular e
inovador seja ignorado no seu próprio país de origem, ainda mais quando este
não tem uma indústria cinematográfica forte e que tem uma população que reclama
tanto da qualidade das obras produzidas por aqui.
Fica claro
então que a culpa da (entre muitas aspas) “má qualidade” do cinema nacional não
é demérito dos nossos cineastas, mas do nosso público, que prefere as mesmas
obras regurgitadas, das quais tanto reclama, à alternativa de consumir um
conteúdo não tradicional.
Um dos
maiores exemplos desta forma de se fazer cinema que é tão genial quanto
injustiçada é “O Bandido da Luz Vermelha”, do incrível Rogério Sganzerla.
A trama do
filme reinterpreta o caso real do criminoso de mesma alcunha, porém, adotando
diversas liberdades criativas e com pouca preocupação com fidelidade à história
real.
O filme
apresenta diversos focos narrativos, acompanhamos o bandido da luz vermelha em
seus crimes e em suas reflexões, assim como a ação policial que busca capturá-lo
e os setores da política e da mídia que são afetados pelo caso.
A narrativa
desconstruída de Sganzerla carrega um forte tom de crítica à mídia sensacionalista,
que teve sua parcela de culpa pela inflação do caso real e que no filme é
mostrada como responsável por dar ao bandido da luz vermelha um propósito, uma
identidade, algo que, devido à marginalização social, ele nunca teve. Essa
exposição midiática acaba por ampliar a ocorrência de seus crimes, que
funcionam, de certa forma, como ferramenta de autoafirmação.
O diretor é
inovador ao incorporar, como ferramentas de narração, áudios que simulam
programas de rádio sensacionalistas e remetem aos recordatórios de histórias em
quadrinhos – grande referência visual e narrativa de Sganzerla. O diretor,
porém, é tão revolucionário que antecipa em 20 anos a tendência dos quadrinhos em
utilizar o jornalismo como narrador das histórias.
Essa
narração é feita em tom de paródia, demonstrando os absurdos da imprensa marrom
que mente abertamente para explorar ao máximo a história, mesmo que às custas de
tragédias e sem nunca se aprofundar nas questões realmente relevantes.
O roteiro
também critica a ineficácia da polícia e a inação da classe política, que pouco
faz para resolver os problemas sociais e acaba por estar, inclusive, envolvida
com atividades criminosas ligadas ao bandido.
O filme é,
sobretudo, um retrato da coleção de absurdos normatizados na sociedade
brasileira, o que é ainda mais relevante considerando que o longa foi lançado
no auge de uma ditadura cívico-militar.
A crítica
se solidifica, no final do longa, com a morte suicida do bandido que não se
entrega por vaidade. A polícia nem mesmo consegue reconhecer que o cadáver
encontrado é do bandido da luz vermelha. A imprensa marrom, por sua vez, cansa
do caso e vai buscar refúgio em histórias mirabolantes de discos voadores.
Narrativamente,
“O Bandido da Luz Vermelha” é extremamente particular, principalmente
considerando a época em que foi lançado. O longa tem um roteiro veloz que muda
de ponto focal o tempo todo, não se preocupando com detalhes da história que
afastem a trama de seus temas principais. Também há espaço para cenas mais
dedicadas à psiquê dos personagens e a construções mais abstratas e poéticas.
Tudo isso apropriando-se de estéticas e enquadramentos inspirados em histórias
em quadrinhos, expandindo assim os limites do cinema como linguagem.
O não
reconhecimento de Rogério Sganzerla como um de nossos maiores artistas e
orgulho nacional só demonstra como o problema, no fundo, não é da arte, é do
público. O público brasileiro que acaba por selecionar e dar espaço apenas às
mesmas obras que ama criticar. Nosso público clama muito por revolucionários,
mas não entra em suas trincheiras quando eles surgem. No Brasil, os
iconoclastas são tomados por chatos e pretensiosos e, até os que conseguem
sucesso comercial, não são valorizados o suficiente.
O nome “Cinema
Marginal” serve como uma luva porque o movimento é marginal no sentido de estar
fora das convenções do cinema, mas, infelizmente, por também ser marginalizado
em relação ao reconhecimento próprio do público.
Antes fosse
o Brasil um país de marginais ao invés deste país de medíocres.
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