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NEM RATOS, NEM GATOS
Nenhum evento na história foi tão doentio quanto o holocausto promovido pelo regime nazista. Os nazistas executaram covardemente 17 milhões de pessoas motivados apenas por ódio e preconceito. Os discursos que prometiam a salvação da nação e criavam inimigos públicos trouxeram à tona o pior de muitas pessoas: o medo do desconhecido, a crueldade e o egoísmo. Em outras, o efeito foi o contrário, os horrores da guerra causaram a indignação movendo-as a realizarem atos altruístas e benevolentes.
A principal
estratégia usada pelo regime nazista para promover o ódio foi o uso de
propagandas e discursos que desumanizavam os judeus, tratando-os como pragas ou
animais que “atrapalhavam” a suposta raça superior. Ao desumanizar todo um povo,
os nazistas tornavam suas brutais execuções em atos tão triviais quanto matar
insetos, com isso eliminavam qualquer empatia que alguém poderia ter por
aquelas pessoas. O holocausto não foi apenas um projeto de extermínio, ele foi
um projeto de banalização da morte.
Art
Spiegelman demonstra isso de forma magistral na sua obra mais aclamada, Maus.
Maus segue
a história real do pai de Spiegelman, Vladek, um judeu polonês que sobreviveu
ao holocausto. A narrativa de Spiegelman não se limita a retratar a guerra,
pelo contrário, na minha opinião a obra é muito mais sobre como a experiência
de Vladek o moldou e sobre sua relação com o filho. Entretanto, para este texto,
vou focar na representação da guerra dentro do quadrinho.
A
característica mais marcante de Maus é com toda certeza o uso de animais
antropomórficos para representar etnias e nacionalidades: os judeus são
desenhados como ratos, os nazistas como gatos, os poloneses são porcos, os
americanos, cachorros, etc. Essa escolha visual de Spiegelman é usada para
traçar paralelos entre os animais, os povos e as relações entre eles, como numa
fábula, além de discutir o tratamento dos judeus durante o holocausto.
A
propaganda de guerra nazista por inúmeras vezes comparou o povo judeu a ratos,
diziam que ambos eram pragas espalhadas pelo mundo que deviam ser exterminadas.
Muitas das propagandas, inclusive, alegavam que o povo judeu não poderia nem
mesmo ser considerado humano. Maus retoma essa cruel comparação para retratar
como os nazistas conseguiram reduzir a imagem de todo um povo se baseando
apenas em mentiras, mas também para argumentar contra a ideologia nazista, se
os judeus são animais, todos os outros povos são igualmente animalescos.
A
banalização do genocídio também é retratada no clássico de Steven Spielberg, A
Lista de Schindler. A trama conta a história real de Oskar Schindler, alemão
famoso por salvar 1100 pessoas da morte nos campos de concentração. No filme,
Schindler é inicialmente apenas um oportunista que se aproveita da guerra e do
holocausto para enriquecer. Aos poucos, o contato com as condições de vida subumanas
dos judeus faz com que Schindler mude e resolva gastar toda sua fortuna para
salvar essas pessoas. A mudança de Oskar ao longo do filme é sútil, ele não é
bom nem mal durante boa parte da duração do filme, ele fica em uma área cinza
até perceber que aquela situação não pode continuar.
A mudança
de Schindler ocorre quando ele percebe a humanidade nos judeus, contrariando
toda a ideologia nazista. Voltar a considerar aquelas pessoas como aquilo que
elas realmente são, simplesmente pessoas, faz com que Schindler não consiga
aceitar aquele derramamento de sangue sem sentido.
No filme a
mudança de atitude de Oskar é representada visualmente por uma menininha judia que
usa roupas vermelhas, apesar do filme ser em preto e branco.
A garota
aparece em dois pontos de virada do filme, primeiro durante o fechamento dos
guetos, onde é vista tentando se esconder; depois durante a queima de cadáveres,
onde ela aparece junto aos mortos.
A garota
faz Schindler questionar o massacre por ser a representação da inocência e
pureza comumente relacionadas à figura da criança. Ela mostra a Oskar que os
judeus são apenas pessoas inocentes sofrendo pelo benefício de pessoas como
ele. A garota é símbolo da desconstrução dos ideais nazistas interiorizados por
Schindler.
Os mais
simples sentimentos de identificação e empatia com pessoas diferentes são
suficientes para gerar um questionamento das ideologias de preconceito e ódio
deliberado, fazendo com que aquele projeto de “limpeza” seja visto como ele
realmente é: um ato terrível, sem sentido, desumano e inaceitável.
O mais assustador
do holocausto é que ele não é um evento isolado e único na história. Não é
difícil identificar na sociedade atual pensamentos e discursos análogos àqueles
que tornaram possível o maior crime da história humana.
É muito
perigoso ignorar as ameaças que as ideologias baseadas em ódio trazem consigo
só porque eles “não estão matando ninguém”. O nazismo não nasce ao liberar o
gás nas câmaras. Ele nasce quando um falso profeta traz uma solução simples que
se baseia apenas em “nós contra eles”.
Vladek
Spiegelman e os 1100 judeus de Schindler sobreviveram. 17 milhões não. Espero
que a agonia dessa gente nunca deixe de nos atormentar.
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