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Destaques

Segredos Ditos à Luz do Crepúsculo

O vento acariciava suas crinas cor-de-avelã enquanto tamboreiavam a terra com seus cascos. Seus olhos sombrios e brutos refletiam o róseo do horizonte, que era interrompido apenas pelo dourado do sol escapando por dentre as nuvens. Dentes-de-leão dançavam ao vento e grudavam em suas pelagens. Não sentiam fragrâncias, pois suas narinas apenas captavam o frio do inverno que se aproximava. Corriam em direção ao que restava de sol. Eram, como é próprio de sua natureza, livres. Distante dali, restava o cavaleiro. O homem portava uma longa barba e utilizava vestes coloridas e suntuosas que, na sociedade dos homens, indicavam uma posição de estima e respeito. Estas, no entanto, estavam gastas, desbotadas e batidas - era evidente que havia muito tempo desde a última vez em que o cavaleiro adentrara os grandes salões que reconheciam o significado dos seus trajes. Salões estes que já haviam deixado a materialidade e residiam agora apenas em memórias e delírios. Sentado aos pés da fogueir...

NEM RATOS, NEM GATOS

 


Nenhum evento na história foi tão doentio quanto o holocausto promovido pelo regime nazista. Os nazistas executaram covardemente 17 milhões de pessoas motivados apenas por ódio e preconceito. Os discursos que prometiam a salvação da nação e criavam inimigos públicos trouxeram à tona o pior de muitas pessoas: o medo do desconhecido, a crueldade e o egoísmo. Em outras, o efeito foi o contrário, os horrores da guerra causaram a indignação movendo-as a realizarem atos altruístas e benevolentes.

A principal estratégia usada pelo regime nazista para promover o ódio foi o uso de propagandas e discursos que desumanizavam os judeus, tratando-os como pragas ou animais que “atrapalhavam” a suposta raça superior. Ao desumanizar todo um povo, os nazistas tornavam suas brutais execuções em atos tão triviais quanto matar insetos, com isso eliminavam qualquer empatia que alguém poderia ter por aquelas pessoas. O holocausto não foi apenas um projeto de extermínio, ele foi um projeto de banalização da morte.

Art Spiegelman demonstra isso de forma magistral na sua obra mais aclamada, Maus.

Maus segue a história real do pai de Spiegelman, Vladek, um judeu polonês que sobreviveu ao holocausto. A narrativa de Spiegelman não se limita a retratar a guerra, pelo contrário, na minha opinião a obra é muito mais sobre como a experiência de Vladek o moldou e sobre sua relação com o filho. Entretanto, para este texto, vou focar na representação da guerra dentro do quadrinho.

A característica mais marcante de Maus é com toda certeza o uso de animais antropomórficos para representar etnias e nacionalidades: os judeus são desenhados como ratos, os nazistas como gatos, os poloneses são porcos, os americanos, cachorros, etc. Essa escolha visual de Spiegelman é usada para traçar paralelos entre os animais, os povos e as relações entre eles, como numa fábula, além de discutir o tratamento dos judeus durante o holocausto.

A propaganda de guerra nazista por inúmeras vezes comparou o povo judeu a ratos, diziam que ambos eram pragas espalhadas pelo mundo que deviam ser exterminadas. Muitas das propagandas, inclusive, alegavam que o povo judeu não poderia nem mesmo ser considerado humano. Maus retoma essa cruel comparação para retratar como os nazistas conseguiram reduzir a imagem de todo um povo se baseando apenas em mentiras, mas também para argumentar contra a ideologia nazista, se os judeus são animais, todos os outros povos são igualmente animalescos.

A banalização do genocídio também é retratada no clássico de Steven Spielberg, A Lista de Schindler. A trama conta a história real de Oskar Schindler, alemão famoso por salvar 1100 pessoas da morte nos campos de concentração. No filme, Schindler é inicialmente apenas um oportunista que se aproveita da guerra e do holocausto para enriquecer. Aos poucos, o contato com as condições de vida subumanas dos judeus faz com que Schindler mude e resolva gastar toda sua fortuna para salvar essas pessoas. A mudança de Oskar ao longo do filme é sútil, ele não é bom nem mal durante boa parte da duração do filme, ele fica em uma área cinza até perceber que aquela situação não pode continuar.

A mudança de Schindler ocorre quando ele percebe a humanidade nos judeus, contrariando toda a ideologia nazista. Voltar a considerar aquelas pessoas como aquilo que elas realmente são, simplesmente pessoas, faz com que Schindler não consiga aceitar aquele derramamento de sangue sem sentido.

No filme a mudança de atitude de Oskar é representada visualmente por uma menininha judia que usa roupas vermelhas, apesar do filme ser em preto e branco.

A garota aparece em dois pontos de virada do filme, primeiro durante o fechamento dos guetos, onde é vista tentando se esconder; depois durante a queima de cadáveres, onde ela aparece junto aos mortos.

A garota faz Schindler questionar o massacre por ser a representação da inocência e pureza comumente relacionadas à figura da criança. Ela mostra a Oskar que os judeus são apenas pessoas inocentes sofrendo pelo benefício de pessoas como ele. A garota é símbolo da desconstrução dos ideais nazistas interiorizados por Schindler.

Os mais simples sentimentos de identificação e empatia com pessoas diferentes são suficientes para gerar um questionamento das ideologias de preconceito e ódio deliberado, fazendo com que aquele projeto de “limpeza” seja visto como ele realmente é: um ato terrível, sem sentido, desumano e inaceitável.

O mais assustador do holocausto é que ele não é um evento isolado e único na história. Não é difícil identificar na sociedade atual pensamentos e discursos análogos àqueles que tornaram possível o maior crime da história humana.

É muito perigoso ignorar as ameaças que as ideologias baseadas em ódio trazem consigo só porque eles “não estão matando ninguém”. O nazismo não nasce ao liberar o gás nas câmaras. Ele nasce quando um falso profeta traz uma solução simples que se baseia apenas em “nós contra eles”.

 

Vladek Spiegelman e os 1100 judeus de Schindler sobreviveram. 17 milhões não. Espero que a agonia dessa gente nunca deixe de nos atormentar.



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