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HOMENS QUE CHORAM E MATAM OU O CULTO DISTORCIDO AO JUSTICEIRO E AO CAPITÃO NASCIMENTO
Em 1974 O
Justiceiro fez sua estreia na revista do Homem-Aranha. Desde então o personagem
se tornou um dos mais marcantes da Marvel, rendendo uma grande quantidade de
títulos nas mãos dos mais diversos roteiristas, três filmes para o cinema e uma
série de TV.
O
Justiceiro nasce quando o veterano da guerra do Vietnã, Frank Castle, assiste
sua família ser brutalmente assassinada pela máfia. O trauma e a sede de
vingança são tão grandes que levam Frank a iniciar uma caçada pessoal pelos
criminosos da cidade de Nova York.
Diversos
personagens, tanto na Marvel quanto na DC, tornam-se vigilantes motivados por
vingança, eventualmente esse sentimento se mescla com um senso de justiça e de
ajuda aos mais fracos, com o Justiceiro é diferente: ele executa os criminosos
e sua única justificativa é a vingança.
Apesar da
popularidade do personagem, ele foi, por muito tempo, extremamente raso. Era só
mais um daqueles personagens “massavéio” que carregava uma arma imensa e
soltava frases de efeito.
O
Justiceiro só foi realmente bem explorado no início dos anos 2000, quando o
roteirista irlandês Garth Ennis assume o personagem no selo Marvel Max focado
no público adulto.
Ennis já
havia trabalhado com o Justiceiro anteriormente no selo Marvel Knights, onde
escreveu histórias com grande presença de seu característico humor negro. Já no
selo Max o roteirista apostou em uma abordagem diferente, focando em questões
mais atuais como o terrorismo e o perfil psicológico de Frank Castle.
A fase de
Garth Ennis no título começa na minissérie “Nascido para Matar” que retrata os
últimos dias de Frank na guerra do Vietnã. Na história, o roteirista explora a
origem do Justiceiro de forma diferente: a guerra não é usada apenas como uma
explicação para as habilidades de Castle com armas de fogo, ela se torna tão
importante para a origem do vigilante quanto o assassinato de sua família.
Frank Castle já era uma pessoa que tendia a comportamentos violentos e, o
horror da guerra, assim como o abandono aos veteranos no pós-guerra apenas
ampliam isso. Durante o serviço no Vietnã, o então capitão Castle já
apresentava um gosto pela violência assim como uma necessidade de eliminar tudo
aquilo que considerava errado.
Talvez a
morte da família do personagem apenas tenha sido o estopim e a desculpa que ele
precisava para entrar em uma caçada expurgatória de tudo aquilo que ele julga
como mau.
O
Justiceiro é extremamente interessante por abordar os temas da psicopatia, dos
traumas obtidos durante guerras e da falência do estado, que falha em dar apoio
a um homem claramente desequilibrado, em punir os responsáveis pela morte de
sua família e em impedir sua cruzada sanguinolenta.
O
personagem é o exemplo máximo de que os fins não justificam os meios e de que a
violência e a vingança não levam a nada. Frank mata pessoas há 30 anos e nem seu
sentimento, nem a criminalidade mudaram.
Infelizmente,
muitos interpretam o personagem de maneira completamente errada. Não é incomum
ver a caveira associada à grupos de extrema direita ou até mesmo em uniformes
de policiais e funcionários de segurança. O quão irônico é ter alguém que
deveria representar o estado e as leis carregando um símbolo da falência do
estado e de um homem extremamente doente psicologicamente?
Um fenômeno
parecido ocorre com o personagem Capitão Nascimento, vivido por Wagner Moura em
Tropa de Elite. O filme conta a história de Nascimento, capitão do BOPE, que
pretende se aposentar assim que escolher um substituto. A obra se propõe a
acompanhar o personagem na tentativa de entender quem é o policial violento.
Durante o
filme, Nascimento constantemente abusa de sua posição como policial ao agir de
maneira agressiva, chegando ao extremo da tortura de inocentes.
Capitão Nascimento
é, assim como Frank Castle, um homem profundamente perturbado e instável, que
precisa de medicação para controlar suas crises de ansiedade. As poucas vezes
em que o policial é visto no controle de si mesmo são momentos de alta
adrenalina e violência.
Quanto à
origem de seu comportamento violento, o longa difere do posicionamento de Garth
Ennis no Justiceiro. Tropa de Elite sugere que a origem daquela violência
extrema seria o ambiente em que os policiais do Rio de Janeiro estão inseridos:
cercados por corrupção e pela forte presença de uma criminalidade igualmente cruel.
As duas
obras são críticas ao uso de violência extrema no combate ao crime. O
Justiceiro não eliminou o crime de Nova York e o BOPE é tão parte do problema
quanto o tráfico.
A
apropriação desses personagens por grupos extremistas é resultado de uma falta
de interpretação, aliada a crenças pessoais dessa fatia do público, que enxerga
os personagens de maneira simplista e maniqueísta tratando como herói qualquer
um que levante a bandeira anticrime, independente dos métodos.
A inversão
da mensagem de ambas as obras também resulta da identificação com a indignação
diante do crime e da forma como os personagens são apresentados: eles têm forte
senso de justiça e são incorruptíveis em relação à luta contra o crime.
Esse
fenômeno é extremamente nocivo para a sociedade como um todo: uma camada
crescente da população considera que respostas violentas e ações acima das leis
são aceitáveis caso motivadas por algo como o combate ao crime. A banalização
do “fins justificam os meios” cria a maior das ironias: indivíduos que
desrespeitam as leis da sociedade em que estão inseridos para favorecer “leis”
próprias e egoístas. Tomar Nascimento e o Justiceiro como símbolos de justiça
nada mais é do que o resultado de uma sociedade cada vez mais individualista e
menos preocupada com o comum, resultado de valores do capitalismo extremo.
O que é o
crime com C maiúsculo, aquele cometido apenas por maldade e cobiça, se não um
estado de egoísmo extremo? Os indivíduos que martirizam Castle e Nascimento são
exatamente a falência social que as respetivas obras criticam.
Arte de capa por Devir Multi Studio, segue lá no Instagram
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