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SACCO, VANZETTI E MEURSAULT
No dia 23
de agosto de 1927 dois homens foram para a cadeira elétrica por homicídio. Seus
nomes eram Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, ambos eram imigrantes italianos
pobres tentando a vida nos Estados Unidos. Durante o julgamento a promotoria
discutiu sobre o envolvimento dos dois em movimentos anarquistas, questionou
seu amor pelos EUA e tentou mostrá-los como brutos e impulsivos, entretanto, faltou
provar seu envolvimento no crime.
O caso, símbolo
do preconceito no sistema jurídico e dos problemas em torno da pena de morte, é
retratado no filme Sacco e Vanzetti, produzido em 1971 com direção de Giuliano
Montaldo. O longa é ótimo em transmitir o sentimento de opressão e angústia da
dupla que vai gradativamente percebendo que não há saída dessa espiral de
sofrimento em que se encontram.
Vendo o
julgamento é impossível dizer que os italianos eram culpados, já que todas as
evidências que relacionavam os réus ao crime eram fracas, como por exemplo o
fato de andarem armados sem terem a posse de armas, o que apesar de parecer
suspeito, era relativamente comum na época, ainda mais no caso de anarquistas que
temiam a polícia. As principais “evidências” usadas contra os dois durante o
processo foram seus pensamentos e crenças. A promotoria os apresentou como
subversivos e interesseiros que se aproveitavam do progresso americano. A
pressão coletiva em cima dos réus culmina no momento em que um deles admite não
amar os Estados Unidos, dizendo que a repressão das camadas populares, a fome e
a pobreza da qual fugiam também estava ali. O tribunal não tentava provar a
culpa da dupla de anarquistas, ele tentava condená-los puramente por causa de
suas ideologias e, como consequência, usá-los de exemplo para outros que ousassem
questionar o Estado.
Podemos traçar
paralelos entre o filme (e consequentemente a história real) e o livro “O Estrangeiro”
de Albert Camus, que é uma das maiores obras literárias do absurdismo e do
existencialismo. Na trama, acompanhamos um excêntrico homem chamado Meursault,
que pouco demonstra sentimentos, tem poucas ambições e parece não se encaixar
ou entender a sociedade em que está inserido. Sua vida vira de cabeça para
baixo quando num dia quente ele atira em um árabe.
Meursault é
levado a julgamento e, apesar de ele realmente ter cometido o crime, esse é
também apenas um detalhe no tribunal. O que realmente é questionado é o
comportamento do francês, que não chorou durante o enterro da mãe, saiu com a
namorada no dia seguinte e não demonstrava muito remorso ou preocupação quanto
ao crime que cometeu. Nem o fato de os disparos poderem configurar legítima
defesa (já que o árabe empunhava uma faca e tinha motivos para atacar o
protagonista) é levado em consideração.
Após ser
condenado, e conforme o dia de sua morte se aproxima, Meursault até aparenta
certa angústia, mas é apenas em seus últimos momentos, durante a visita do
padre que daria sua extremunção, que Meursault tem um momento catártico onde
finalmente demonstra suas emoções e livra-se de todas as amarras sociais que
ainda o prendiam, negando um significado maior para sua existência, aceitando
sua morte e conseguindo paz.
Assim como
Meursault, Sacco e Vanzetti só foram livres no momento em que aceitaram a morte,
quando, finalmente, deixaram pra trás toda a pressão e expectativa social que
os massacrava por pensarem de determinada maneira.
Enquanto
sua história for lembrada, o martírio de Sacco e Vanzetti não terá sido em vão.
Encerro
esse texto transcrevendo os belíssimos versos da música “Here’s to You”,
composta para o filme por Ennio Morricone e cantada por Joan Baez, que traduzem
toda a angústia que acompanhou o destino daqueles pobres homens que cometeram o
crime de sonhar com um mundo melhor.
“Aqui é
para vocês, Nicola e Bart.
Descansem
para sempre em nossos corações.
O último e
derradeiro momento é seu.
Essa angústia
é teu triunfo.”
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