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Segredos Ditos à Luz do Crepúsculo

O vento acariciava suas crinas cor-de-avelã enquanto tamboreiavam a terra com seus cascos. Seus olhos sombrios e brutos refletiam o róseo do horizonte, que era interrompido apenas pelo dourado do sol escapando por dentre as nuvens. Dentes-de-leão dançavam ao vento e grudavam em suas pelagens. Não sentiam fragrâncias, pois suas narinas apenas captavam o frio do inverno que se aproximava. Corriam em direção ao que restava de sol. Eram, como é próprio de sua natureza, livres. Distante dali, restava o cavaleiro. O homem portava uma longa barba e utilizava vestes coloridas e suntuosas que, na sociedade dos homens, indicavam uma posição de estima e respeito. Estas, no entanto, estavam gastas, desbotadas e batidas - era evidente que havia muito tempo desde a última vez em que o cavaleiro adentrara os grandes salões que reconheciam o significado dos seus trajes. Salões estes que já haviam deixado a materialidade e residiam agora apenas em memórias e delírios. Sentado aos pés da fogueir...

SACCO, VANZETTI E MEURSAULT

 



No dia 23 de agosto de 1927 dois homens foram para a cadeira elétrica por homicídio. Seus nomes eram Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, ambos eram imigrantes italianos pobres tentando a vida nos Estados Unidos. Durante o julgamento a promotoria discutiu sobre o envolvimento dos dois em movimentos anarquistas, questionou seu amor pelos EUA e tentou mostrá-los como brutos e impulsivos, entretanto, faltou provar seu envolvimento no crime.

O caso, símbolo do preconceito no sistema jurídico e dos problemas em torno da pena de morte, é retratado no filme Sacco e Vanzetti, produzido em 1971 com direção de Giuliano Montaldo. O longa é ótimo em transmitir o sentimento de opressão e angústia da dupla que vai gradativamente percebendo que não há saída dessa espiral de sofrimento em que se encontram.

Vendo o julgamento é impossível dizer que os italianos eram culpados, já que todas as evidências que relacionavam os réus ao crime eram fracas, como por exemplo o fato de andarem armados sem terem a posse de armas, o que apesar de parecer suspeito, era relativamente comum na época, ainda mais no caso de anarquistas que temiam a polícia. As principais “evidências” usadas contra os dois durante o processo foram seus pensamentos e crenças. A promotoria os apresentou como subversivos e interesseiros que se aproveitavam do progresso americano. A pressão coletiva em cima dos réus culmina no momento em que um deles admite não amar os Estados Unidos, dizendo que a repressão das camadas populares, a fome e a pobreza da qual fugiam também estava ali. O tribunal não tentava provar a culpa da dupla de anarquistas, ele tentava condená-los puramente por causa de suas ideologias e, como consequência, usá-los de exemplo para outros que ousassem questionar o Estado.

Podemos traçar paralelos entre o filme (e consequentemente a história real) e o livro “O Estrangeiro” de Albert Camus, que é uma das maiores obras literárias do absurdismo e do existencialismo. Na trama, acompanhamos um excêntrico homem chamado Meursault, que pouco demonstra sentimentos, tem poucas ambições e parece não se encaixar ou entender a sociedade em que está inserido. Sua vida vira de cabeça para baixo quando num dia quente ele atira em um árabe.

Meursault é levado a julgamento e, apesar de ele realmente ter cometido o crime, esse é também apenas um detalhe no tribunal. O que realmente é questionado é o comportamento do francês, que não chorou durante o enterro da mãe, saiu com a namorada no dia seguinte e não demonstrava muito remorso ou preocupação quanto ao crime que cometeu. Nem o fato de os disparos poderem configurar legítima defesa (já que o árabe empunhava uma faca e tinha motivos para atacar o protagonista) é levado em consideração.

Após ser condenado, e conforme o dia de sua morte se aproxima, Meursault até aparenta certa angústia, mas é apenas em seus últimos momentos, durante a visita do padre que daria sua extremunção, que Meursault tem um momento catártico onde finalmente demonstra suas emoções e livra-se de todas as amarras sociais que ainda o prendiam, negando um significado maior para sua existência, aceitando sua morte e conseguindo paz.

Assim como Meursault, Sacco e Vanzetti só foram livres no momento em que aceitaram a morte, quando, finalmente, deixaram pra trás toda a pressão e expectativa social que os massacrava por pensarem de determinada maneira.

Enquanto sua história for lembrada, o martírio de Sacco e Vanzetti não terá sido em vão.

Encerro esse texto transcrevendo os belíssimos versos da música “Here’s to You”, composta para o filme por Ennio Morricone e cantada por Joan Baez, que traduzem toda a angústia que acompanhou o destino daqueles pobres homens que cometeram o crime de sonhar com um mundo melhor.

 

“Aqui é para vocês, Nicola e Bart.

Descansem para sempre em nossos corações.

O último e derradeiro momento é seu.

Essa angústia é teu triunfo.”

 



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