Destaques
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
ELEGIA PARA MEUS IRMÃOS
Federico, meu
irmão, foi poeta e dramaturgo.
Um dia, prenderam-no
num porta-malas de carro com outros três colegas.
Foram
colocados em frente ao muro de uma cabana numa ravina isolada. Não queriam que
fosse feito de mártir.
Tentaram colocá-lo
no chão, mas suas pernas simplesmente não se moviam. Seus músculos não iriam
permitir que eles tivessem o prazer de vê-lo de joelhos. Após muita insistência
para que ele se ajoelhasse, o oficial superior disse aos subalternos: “Deixe-o
ficar de pé, em pouco tempo, não vai fazer muita diferença”.
Perguntaram
se ele confessava seus crimes, não que esperassem qualquer resposta ou que algo
que ele dissesse pudesse convencê-los a poupá-lo, apenas tinham prazer em se
apoderar daquela formalidade, daquela suposta cordialidade civilizada enquanto
exterminavam a justiça e reduziam Federico à bicho.
Não
respondeu às provocações. Sua alma era limpa e inocente, sem qualquer traço de arrependimento
das ações que havia tomado.
Em nenhum
momento desviou os olhos do muro para olhar seus captores na esperança de ser
poupado. Não temia a morte naquele momento, como não temeu ficar diante do inimigo
nas trincheiras. Sabia que era aquele seu destino, não havia outro final mais
propício para um homem como ele. Sabia que as balas não exterminariam a beleza
que via nos campos de Andaluzia. Sabia que era mais sincero com sua alma morrer
ali do que viver até a velhice se curvando diante daqueles boçais.
Quando
fuzilaram meu irmãozinho, ele tinha verdade e justiça nos olhos.
Meu irmão
foi enterrado como traidor em uma vala pública.
Em sua
vida, a única coisa que traiu foi a crueldade dos homens.
Pier Paolo,
meu irmão, foi cineasta e poeta.
Um dia, o
pararam na rua no meio da madrugada. Ao terem certeza de que era ele mesmo, foi
arrastado para fora de seu carro e espancado brutalmente. Resistindo, golpeou
de volta com uma força impulsionada por toda a raiva que nutria por eles.
Ele sempre
soube que não permitiriam uma vida longeva a um comunista homossexual. Sabia
que eles viriam pegá-lo se não se calasse. Não se calou.
Não havia
nada que ele pudesse fazer. Eram muitos. Coberto de hematomas e desmaiado de
tanto apanhar, atropelaram-no repetidamente com seu próprio carro, esmagando
seus ossos.
Quando lincharam
meu irmãozinho, ele tinha ódio nos olhos. Ódio da crueldade dos intolerantes.
Meu irmão
Héctor era quadrinista.
Um dia, arrombaram
a porta de sua casa e levaram ele e suas filhas para campos de detenção
ilegais.
No cárcere,
torturam-no diariamente tentando fazer com que esquecesse quem era. Tentaram torná-lo
sub-humano, alheio a qualquer beleza. Não conseguiram. As cicatrizes em sua
pele apenas o lembravam de que podia fazer algo belo com sua humanidade.
“Héctor escreveu a mais bela biografia sobre
Che Guevara”, diziam seus próprios captores quando questionados sobre a tortura.
Torturavam
porque odiavam sua compaixão e odiavam a beleza que nunca conseguiriam
compreender.
Fizeram
questão de mostrar a ele o assassinato de suas filhas. Se divertiam vendo o
sofrimento daqueles que tem carinho para com outro ser humano.
Quando
finalmente torturaram meu irmãozinho até a morte, ele ainda tinha beleza em
seus olhos. Triunfou diante deles.
Cansei de
vê-los derramar o sangue de meus irmãos. Cansei do assassinato daqueles que lutam
pelo amor. Cansei de vê-los se aproveitarem de meus irmãos estarem dispostos a
morrer por seus ideais. Cansei dessa zombaria que eles fazem da nossa paixão.
Cansei dessa falsa certeza que eles têm de que se continuarem pisoteando-nos,
um a um, uma hora vamos parar de lutar.
Quando eu
for fuzilado, linchado ou torturado, ainda terei em meus olhos este amor
incondicional pelos irmãos que partiram antes de mim. Também terei em meu olhar
a melancolia de saber que não serei o último.
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Postagens mais visitadas
ESTE ERA UM TEXTO SOBRE TRENS
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
O DEFUNTO DA AVENIDA SÃO JOÃO
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Comentários
Postar um comentário