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CHE GUEVARA: A CALÍOPE DO SÉCULO XX
Nenhuma
figura política do século XX é tão polarizante quanto Che Guevara. O líder
revolucionário argentino é comparável a Cristo para uns e cria do próprio
capeta para outros, contudo, é inegável que o homem era extremamente notável. Poucas
pessoas na história tiveram trajetórias tão intensas quanto a de Guevara que,
durante seus curtos 39 anos de vida, viajou pela América Latina para conhecer
suas mazelas; se formou médico; tratou de leprosos; foi peça fundamental da
ação de guerrilha mais importante do século; não se acomodou com cargos e
continuou em busca de causas revolucionárias justas até ser assassinado pela
CIA na Bolívia.
É difícil
falar de Che Guevara pois os processos históricos transformaram-no em algo
maior que ele mesmo: uma imensa gama de símbolos e diferentes interpretações de
sua ideologia. Tais processos são vitais para a formação da figura que
representa e inspira determinados valores de justiça, igualdade e rebelião, mas
infelizmente também podem dar início a demonização e desumanização do
revolucionário, afastando-o de suas motivações e ideais e encarando-o apenas
por suas ações, resultando numa visão simplista de um dos homens mais complexos
da História Contemporânea.
Apesar da
dificuldade, é óbvio que não faltam obras retratando Guevara, tanto biografias
e textos acadêmicos quanto obras artísticas das mais variadas mídias. Che é uma
figura icônica e plural, o que leva a um fascínio artístico na busca por interpretar
sua trajetória. Nas 3 obras de que vou tratar ele é mostrado como homem, herói
e por fim como símbolo.
CAPÍTULO 1: ERNESTO
RAFAEL GUEVARA DE LA SERNA OU O BEATNIK TROPICAL
Diários de
Motocicleta, do diretor Walter Salles, retrata o estudante de medicina Ernesto
Guevara e seu amigo Alberto Granado em uma viagem de moto pela América Latina.
A viagem dos dois argentinos é motivada pelas maiores ânsias da juventude: eles
querem ampliar seus horizontes conhecendo seu continente sem nenhum dos filtros
e lapidações da mídia e dos livros. A roadtrip de dar inveja em Jack
Kerouac foi um ponto de virada para Guevara, ele já tinha certa preocupação
social, tanto que a lepra era o foco de sua atuação médica. Contudo, a
constatação de que a pobreza e as diferenças sociais na América conseguiam ser
mais severas do que a pior de suas expectativas, desperta indignação e vontade
de mudança, valores pelos quais ele estaria disposto a morrer.
O filme,
baseado nos diários e relatos da própria dupla, pode ser encarado como um
estudo sobre a formação do caráter e dos valores do Che. Ernesto Guevara ainda
não é o herói revolucionário, porém já demonstra os traços e características
que o tornaram tão icônico. A viagem é extremamente importante na construção de
Che como um símbolo de rebeldia juvenil. Guevara é esse símbolo pois é fácil
identificar-se com sua trajetória: ele era apenas um jovem que desejava ampliar
seus horizontes e que acreditava na mudança e na luta por um mundo melhor.
Guevara é
símbolo para tantos movimentos de rebeldia pois ele era quase um beatnik:
Era rebelde, questionador e ansiava por uma realidade mais livre e disposta a
romper com visões de mundo retrógradas. Tudo isso é atenuado pelo fato de que
Ernesto Guevara não se limitou a uma filosofia questionadora, ele dedicou sua
vida a um rompimento concreto de padrões e, como veremos a seguir, poucos
indivíduos do século XX enfrentaram e abalaram tanto o status quo quanto o
comandante revolucionário Che Guevara.
CAPÍTULO 2: COMANDANTE
ERNESTO “CHE” GUEVARA OU “HAY QUE ENDURECERSE PERO SIN PERDER LA TERNURA JAMÁS”
Em 1967 Che
Guevara foi executado pela CIA na Bolívia. Poucos meses depois seria publicado
em sua terra natal o quadrinho “Vida del Che” (lançado aqui no Brasil com o
nome “Che: os últimos dias de um Herói” pela editora Conrad, e mais
recentemente como “Che” pela Comix Zone. A edição que li foi da editora
portuguesa Lenoir que lançou a obra com o nome “A vida de Che”). A obra,
produzida com um intervalo de menos de um ano da morte de Guevara reunia os
maiores nomes dos quadrinhos argentinos: o roteirista Héctor Oesterheld e os
desenhistas Alberto Breccia e seu filho Enrique Breccia. A narrativa da obra é
revolucionária para os quadrinhos da época: intercala momentos dos últimos dias
da vida de Guevara na Bolívia com momentos de sua história, desde a infância
até a vitória na guerrilha cubana. A distinção das linhas narrativas é feita
pela arte: a guerrilha na Bolívia é desenhada por Enrique e o passado do Che é
desenhado por Alberto.
Nesta obra
Che Guevara assume o papel do herói. O roteiro retrata tanto as ações quanto os
valores admiráveis do comandante. O Ernesto “Che” Guevara de Oesterheld é um
homem inquieto, que não consegue ser omisso quando confrontado com a
desigualdade. É rebelde tanto pelo seu envolvimento nas guerrilhas quanto na
recusa em se estabelecer e deixar os atos revolucionários após a vitória em
Cuba. É, por fim, corajoso e comprometido com sua causa sacrificando o convívio
com a família e, posteriormente, sua vida para lutar pelos seus ideais.
A morte do
revolucionário argentino ainda era um fato recente na época e isso é
perceptível na obra, principalmente nas partes que se passam na Bolívia, nelas
o livro tem um tom de melancolia e revolta com as circunstâncias da morte do
Che – covardemente executado pela CIA, em mais uma das inúmeras demonstrações do
imperialismo americano na história da América Latina.
A
trajetória de Che se conclui como uma típica narrativa de heroísmo, ele é morto
pela mão de covardes sem trair seus valores em momento algum. A morte heroica
do comandante é parte integral da sua transformação em um símbolo, inspiração e
mártir para movimentos vindouros.
É
importante citar que, assim como seu herói, Héctor Oesterheld também foi morto
pelas mãos de um regime covarde por defender ideias de igualdade que ameaçavam àqueles
no poder. Oesterheld foi sequestrado pela ditadura argentina por fazer parte de
um grupo que se opunha ao sistema. Alguns também consideram que a obra sobre
Che Guevara teve papel na decisão do regime de caçar o roteirista. Pode-se
dizer que, assim como o protagonista do livro discutido no próximo capítulo,
Héctor Oesterheld morreu pelo Che.
CAPÍTULO 3: CHE
GUEVARA OU A RECEITA PARA UM REVOLUCIONÁRIO
O sucesso
inesperado de um grupo incialmente em desvantagem na revolução cubana fez
daqueles jovens latinos, rockstars. A imagem de luta por igualdade,
irreverência e principalmente da força do poder popular, foram inspiração de
toda uma geração de revolucionários, jovens, filósofos e políticos pelo mundo.
Apesar de, na história recente, já existirem outros
acontecimentos similares, nenhum obteve tamanho valor simbólico quanto a luta
cubana, principalmente pelo contexto histórico em que ela está inserida: uma
época de imperialismo, expansão da mídia e, principalmente, da gênese da
mentalidade e imagem de mudança ligada a juventude.
A revolução
cubana serviu de inspiração para diversos movimentos na América Latina por se
tornar prova de que a luta não era em vão.
É nesse
contexto que se insere a HQ “Morrer Pelo Che” de Pablo Roy Leguisamo, Marcos
Vergara e Caio di Lorenzo, lançada aqui no Brasil pela editora Quadriculando.
A trama
inspirada em fatos reais descreve a ida de Che Guevara para o Uruguai em 1961,
porém, ao contrário das duas outras obras de que tratei, Che tem um papel
secundário. A narrativa acompanha um professor que leciona na universidade em
que Guevara discursará. A vida cotidiana do personagem é abalada pelo simples
fato do revolucionário estar visitando o país: a movimentação dos grupos de
esquerda com os quais tem contato, a polarização e as demonstrações de apoio e
desaprovação dos valores revolucionários permeiam as conversas na cidade.
A história
tem seu clímax com Che Guevara discursando na universidade sobre os valores da
revolução e sobre a importância do engajamento popular na luta. O discurso é
recebido com aplausos e comemorações, entretanto, ao sair do evento, iniciam-se
disparos direcionados ao revolucionário que consegue escapar sem grandes danos.
Porém, o protagonista da obra acaba por receber um dos tiros e, de maneira
poética, morre pelo Che.
O quadrinho
demonstra com maestria a construção de Che Guevara como um símbolo
revolucionário que, mesmo em vida, era muito maior que o homem Ernesto Guevara.
O comandante inspira movimentos e pessoas, dos quais nunca ouviu falar, a darem
suas vidas por causas e ideais infinitamente maiores que seus feitos em vida. A
imagem de Guevara é cultuada até hoje pela importância simbológica que ela
ganhou, uma foto do argentino não invoca somente a revolução cubana, mas ideias
de socialismo, igualdade, luta contra o imperialismo e ação revolucionária.
EPÍLOGO:
ADEUS COMANDANTE E OBRIGADO PELAS CAMISETAS
Seja
Ernesto ou seja Che, o nome de Guevara ainda vai permear discussões políticas,
livros, quadrinhos e filmes e, mesmo assim, não se esgotarão as maneiras de
interpretar, julgar e conhecer o jovem doutor argentino. Para alguns ele é uma
inspiração da busca da justiça, mas talvez ele esteja mais para um rockstar,
representando o poder de mudança das novas gerações e a rebeldia contra os
poderosos. Para a ideologia distorcida de outros, Guevara é o próprio diabo e o
cúmulo da maldade. E ainda há quem o veja como uma figura anti-heroica análoga
a Lúcifer, mas para esses o anjo caído é também símbolo da disputa contra o
autoritarismo. Alguns carregarão sua face como símbolo de protesto, enquanto
outros vestirão suas camisetas sem nem mesmo saber quem foi o homem. Che sofre
a sina dos notáveis, ele é muito maior que ele mesmo.
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